- Camilla Veras Mota - @cavmota
- Da BBC Brasil em São Paulo
O preço médio da gasolina no país segue firme acima de R$ 6 — e passa de R$ 7 em algumas localidades.
Os dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) apontam a oitava alta consecutiva na semana até 25 de setembro, em meio a novos recordes na cotação do barril de petróleo e de temores de uma crise energética na Europa.
Entenda, a seguir, quatro fatores que ajudam a explicar por que os preços subiram tanto nos últimos meses — e por que a tendência, pelo menos no curto prazo, não é de alívio.
1. Aumento da demanda
A cotação do petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início do ano. O preço do barril do tipo Brent, referência internacional, passou de US$ 80 na terça-feira (28/9) pela primeira vez desde outubro de 2018.
Uma parte do aumento se deve à maior demanda. Os programas de vacinação contra a covid-19 têm permitido que diversos países reabram suas economias — e o impacto da retomada tem sido em algumas regiões mais forte do que o esperado.
Mas essa não é a única razão.
Como explica a professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Julia Braga, a China vem usando mais gás natural como substituto do carvão em suas termelétricas. A medida é parte do esforço do país para cumprir as metas para redução da emissão de poluentes e entra na política de médio e longo prazo de transição energética da China.
"Isso também pressiona o preço do barril", ressalta.
O preço do gás natural disparou nas últimas semanas com o maior consumo também na Europa, surpreendida pela redução da geração de energia renovável, que vinha tendo papel cada vez mais importante na matriz da região.
O cenário acendeu um alerta entre as autoridades, ante a iminência da chegada do inverno no continente, quando o consumo de energia sazonalmente cresce.
2. Restrição de oferta
Se a demanda por petróleo e derivados cresceu de um lado, a oferta não acompanhou.
Uma das razões vem da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), um cartel que reúne 13 países e concentra cerca de 33% da produção global da commodity (por volta de 30 milhões de barris por dia).
O grupo muitas vezes limita a produção para evitar quedas substanciais nos preços ou mesmo valorizar a cotação do barril.
Isso aconteceu no ano passado, quando a Opep decidiu cortar a produção por conta da pandemia. As atividades estão sendo normalizadas gradativamente, com a expectativa de que a oferta seja completamente retomada até dezembro de 2022.
A demanda, contudo, vem crescendo em ritmo mais rápido.
O salto no preço do barril nos últimos meses tem levado países como os Estados Unidos a pressionar a Opep e seus aliados (que formam, com a organização, a Opep+) a acelerar a retomada. Assim como no Brasil, o preço da gasolina nos EUA deu um salto em 2021.
3. Dólar alto
A valorização do barril de petróleo tem um duplo efeito para países como o Brasil, que passam por uma profunda desvalorização cambial.
O preço sobe não apenas porque a commodity em si custa mais, mas porque o dólar também está mais caro.
"Aí entra muito da crise institucional, a briga entre os poderes", explica Braga.
"E essa imagem muito ruim que o Brasil passa para o mundo inteiro, não apenas na parte política, mas também a visão anti-Ciência [do governo], a política ambiental, com aumento das queimadas, em um momento em que o mundo está cada vez mais sensível a essas questões. Tudo isso acaba afetando a decisão dos investidores internacionais de apostar no Brasil", avalia.
4. Elevação dos preços de biocombustíveis
Os biocombustíveis que entram na composição da gasolina e do diesel também experimentam forte alta, contribuindo para pressionar o preço final dos combustíveis.
O álcool anidro responde por 27% do litro da gasolina vendida dos postos; já o biodiesel hoje equivale a 10% do diesel que sai das bombas.
A soja usada no biodiesel, por sua vez, também está mais cara. Com maior demanda e a oferta também prejudicada pelas estiagens, a cotação da commodity acumula alta de mais de 70%.
E a Petrobras?
O dólar e a cotação do petróleo vêm tendo mais influência sobre os preços de combustíveis no Brasil desde 2016, quando a Petrobras passou a praticar o Preço de Paridade Internacional (PPI), que se orienta pelas flutuações do mercado internacional.
A mudança de política foi uma resposta ao controle de preços que vigorou na estatal entre 2011 e 2014 como parte de uma estratégia do governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) para segurar a inflação.
O caixa da companhia foi duramente afetado. De um lado, arrecadava menos que o potencial; de outro, chegava a subsidiar o preço, importando muitas vezes combustível mais caro e vendendo-o mais barato no mercado interno para fazer frente à demanda.
Os desequilíbrios levaram a empresa a elevar seu nível de endividamento, comprometendo a capacidade de investimento. Esse também foi um período em que bilhões em recursos foram desviados em grandes esquemas de corrupção.
É uma companhia de economia mista e com capital aberto, com investidores privados. A União, contudo, é acionista majoritária.
Nos últimos anos, a companhia não apenas mudou sua política de preços. Ela também mudou seu foco, hoje mais concentrado na extração de petróleo do que no refino, pontua a professora da UFF Julia Braga. O chamado "plano de desinvestimento" da estatal prevê a venda de 8 de suas 13 refinarias.
"O pré-sal é um sucesso retumbante, tem um custo baixíssimo, enquanto a parte do refino não tem tanta competitividade. Então prevaleceu essa ideia de 'desverticalizar' para preservar sua geração de lucro", afirma a economista.
Uma capacidade menor de refino, diz a economista, significa maior dependência das importações, o que deixa a empresa com menor margem de manobra para amortecer as flutuações do mercado internacional sobre os preços.
"Agora a gente está vendo que esse outro extremo [em termos de visão para a empresa] 'cobra seu preço'. Você perde esse instrumento que poderia ser usado para tentar não repassar de imediato toda a volatilidade que se vê nos preços do petróleo", completa.
E o ICMS?
No caso da gasolina, a Petrobras responde por cerca de 34% do preço pago pelos consumidores. A estrutura de precificação foi utilizada nesta semana pelo presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna, como argumento para defender a atual política de preços. Na ocasião, ele afirmou que "tudo o que excede R$ 2" não é responsabilidade da companhia.
Além dos 34% da Petrobras, cerca de 16,5% representam o custo do etanol anidro, 10,7% vão para distribuição e revenda, 11,3% correspondem aos tributos federais PIS/Pasep e Cofins e 27,7% ao ICMS, tributo estadual.
Há meses o ICMS tem sido objeto de atritos entre o governo federal e os Estados. No fim de agosto, Bolsonaro chegou a afirmar em entrevista que a alta dos combustíveis se devia à "ganância dos governadores".
Nesse sentido, Braga pondera que as alíquotas de ICMS praticadas pelos Estados não foram alteradas e, assim, não se pode atribuir o aumento nos preços ao tributo.
O valor nominal de ICMS pago por litro de combustível cresceu porque seu custo, usado como base para o cálculo, está maior.
As alíquotas, contudo, são as mesmas praticadas antes da atual crise: tanto em maio do ano passado, quando a gasolina custava em média R$ 4,00, quanto neste mês de setembro, com o preço a R$ 6, o percentual cobrado em São Paulo, por exemplo, é o mesmo, 25%.
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Gasolina mais cara: 4 motivos para disparada de preço dos combustíveis - BBC News Brasil
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