Já está ficando batido: Elon Musk diz que gosta de bitcoin? A cotação dispara. Opa, o presidente da Tesla parece ter mudado de ideia? O preço despenca.
Aconteceu – está acontecendo – de novo nos últimos dias. Na noite de quarta-feira (12), o bitcoin era negociado a US$ 54.501 quando Musk falou em uma rede social que a Tesla ia suspender a decisão, anunciada em março, de aceitar bitcoins na venda de seus carros elétricos.
O motivo alegado pela empresa, ou por seu CEO (a linha entre um e outra é perigosamente tênue), foram ressalvas ambientais; Musk teria finalmente se dado conta de que o bitcoin consome muita energia e de que boa parte dela advém de combustíveis fósseis.
O efeito sobre a cotação foi imediato, com desvalorização de quase 10% até sexta-feira – a queda se ampliou neste fim de semana, e, no domingo à noite, o bitcoin era negociado em torno de US$ 45 mil.
Ao final, uma declaração de um CEO de uma grande companhia fez o mais importante ativo digital do mundo cair 17% em quatro dias e perder mais de US$ 160 bilhões em valor de mercado.
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E o bitcoin polui, mesmo?
Sim, o bitcoin consome energia demais. Como o Valor Investe mostrou no ano passado, o “ecossistema” da criptomoeda já usa mais energia do que países com grandes populações, como Filipinas (109,5 milhões de pessoas) e Argentina (45,1 milhões).
Esse gasto se deve principalmente ao processo de registro e verificação das transações na blockchain, conhecido como mineração.
Os mineradores – players em sua maioria de nível industrial, que atuam em “fazendas de mineração” – recebem unidades do bitcoin por esse serviço, e o gasto de energia deles tende a ser maior quanto mais alta for a cotação da criptomoeda (explico isso neste artigo).
Há quem argumente que, segundo estudos, mais de 85% desse enorme consumo de energia está baseado em fontes renováveis, principalmente usinas hidrelétricas.
Mas isso não limpa a ficha do bitcoin, que, na melhor hipótese, está desperdiçando energia produzida às custas de intervenções em sistemas hídricos com imensa pegada de carbono, para usar a terminologia ESG em voga.
Certo. E qual o problema se Musk é influente?
É natural que opiniões de pessoas sobre as perspectivas de um ativo sejam levadas em conta. Em todo investimento, tendências são seguidas em maior ou menor escala, a depender do calibre – normalmente financeiro ou de reputação – de quem fala. E, nos mercados tradicionais, os abalos causados por uma opinião costumam corresponder à relevância da participação do dono da opinião.
Então o preço de uma ação tende a cair se um grande gestor ou analista de mercado, ou um grande investidor, com uma fatia de, digamos, 10% de uma empresa, anunciar que está preocupado com os danos ambientais que ela causa.
No caso da relação entre Elon Musk e o bitcoin, falta razoabilidade; o empresário não é um especialista em criptomoedas, e a Tesla nem sequer vendeu os bitcoins que adquiriu, que nem eram tantos. A empresa informou em janeiro que, no ano passado, investiu US$ 1,5 bilhão de seu caixa na criptomoeda (e, adivinhe?, o preço disparou). A considerar a cotação no último dia de 2020, o total aplicado pela fabricante de carros elétricos corresponde a ínfimos 0,2% de “participação” no bitcoin.
Não deveria ser motivo para sangramentos, mas é. E isso prejudica o ecossistema formado por exchanges, carteiras digitais, fundos, tokens e serviços financeiros, pois afasta participantes e recursos. Principalmente os institucionais, cuja pujança é vista como determinante para um futuro próspero do segmento cripto.
Não por caso, o segundo semestre de 2020, marco da explosão das aplicações institucionais na criptoeconomia, foi também um período de baixa volatilidade do bitcoin, que, em alguns meses, flutuou menos do que as ações da Apple.
Outro problema das disparadas e quedas-livres no embalo de declarações do bilionário presidente da Tesla é que ele – a empresa? – costuma falar primeiro em redes sociais, e não por meio das vias que companhias abertas tradicionalmente usam para comunicar fatos relevantes, como os informes à SEC (U.S. Securities and Exchange Commission, equivalente nos Estados Unidos à CVM no Brasil).
Do jeito que vem sendo feito, quem compra uma ação da Tesla é quase obrigado a abrir uma conta no Twitter e seguir Elon Musk, sob pena de ficar para trás de outros acionistas.
É uma demonstração de vulnerabilidade, um cisco no olho do “G” no ESG (acrônimo em inglês para meio ambiente, social e governança), e mais uma evidência de imaturidade da pioneira e mais popular entre as criptomoedas.
Há problemas também no casuísmo das mudanças de humores; na mesma leva de tuítes em que jogou o bitcoin na fogueira, Musk afirmou que “está em conversas com desenvolvedores para aprimorar o sistema de mineração da dogecoin”.
Ela mesma, a criptomoeda que nasceu de uma brincadeira de internet, mas que, nos últimos meses, ganhou um surreal aspecto de investimento sério no embalo de declarações favoráveis de... Elon Musk.
Fica uma impressão de manipulação de um mercado ainda por demais vulnerável a opiniões flutuantes e reações de manadas.
E, mais uma vez, é algo que afugenta do ecossistema cripto investidores que poderiam aprimorar esse setor.
Em certa medida, as coisas são como elas são, e não parece haver muito a fazer para evitar a realidade de que, hoje, a opinião de Elon Musk tem peso no valor relativo do bitcoin.
Mas, inevitável ou não, eis uma consequência: enquanto os humores em torno das criptomoedas forem tão facilmente abaláveis, vai ser difícil ver jorrar blockchain adentro os trilhões de dólares, euros, yuans e, por que não, reais dos quais a economia digital precisa para mudar o mundo.
(Ou melhor: para adentrar a blockchain nas atuais condições, o mais provável é que esse dinheiro exija camadas de serviços que amenizem a volatilidade, em um processo de intermediação que tende a encarecer o investimento e que vai na contramão das premissas de descentralização e empoderamento que inspiraram a criação do bitcoin – mas este é tema para um próximo blog.)
— Foto: Reprodução
Poder de Elon Musk sobre o preço do bitcoin é ‘queima-filme’ para o mundo cripto - Valor Investe
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